O Poema sujo na operação expressiva do corpo
Resumo
A obra de arte é um sentido encarnado, por isso é preciso ser paciente e não pensar que o acesso a ela se dá no primeiro olhar. A obra dá a ver vários perfis, bem como a coexistência das partes da obra como um corpo físico, por isso não deve nos remeter ao sentimento pelo qual ela é vista em uma só vez. Há um tempo para que ocorra essa descoberta, afinal, no jogo de esconde-esconde, uma coisa só se mostra se puder esconder a outra, e a obra tem seu estilo de ser, seu pano de fundo. A saber, a obra de arte precisa ser frequentada pelo olhar, sem a preocupação de conhecer sua totalidade, pois ela é incapturável. Seguindo o viés, sempre que possível, o olhar deve manter-se muito próximo das particularidades da obra de arte como princípio formador. Refletida em si mesma, a obra de arte retira-se do mundo para fazer ver, de um modo novo, a carnalidade do mundo, a coisa em si, o cotidiano. Posto assim, a obra de arte é, antes de mais nada, um corpo, real ou imaginário, que funda sua imanência e faz suscitar um vasto conjunto de possibilidades na sua transcendência.
É através da transcendência como fundo que o olhar do poeta vai redesenhar o mundo com suas mãos, com seu corpo, com seu semblante, vai dar a ver a força inaugural que uma palavra, uma cor, é capaz de desvelar e instaurar. Assim, a fala, o corpo, estabelecem uma relação fundante das essências das coisas que somente a arte torna possível. Para esta escrita, a relação fundante ocorre, em essência, no Poema sujo de Ferreira Gullar, no campo das pulsões, para que, dessa forma, talvez se possa desvelar e instaurar em cada coisa o que ela guarda de sensível, de salvo, de velado, um sagrado que escapa de uma definição. Alguma coisa em si que atravessa o Outro como uma impossibilidade de domínio, de manipulação. À medida que o Outro escapa, não se deixa capturar porque se aliena no não-lugar de todos os tempos, esse não-lugar da falta que aliena o objeto a pela esquize do olhar. Parece muito próxima a esse não-lugar a escrita que se tenta instaurar pela leitura do Poema sujo de Ferreira Gullar. O não-lugar na origem de verdades inestéticas, lá onde o significante se esconde e pode ser objeto, e que está em toda parte e em parte alguma. Há um real no corpo da arte, na fala do poema? Ou há uma realidade? De que maneira a operação expressiva do Poema sujo pode revelar essa transcendência, esse visível que comporta o invisível? Cabe agora demonstrar como a operação expressiva do Poema sujo de Ferreira Gullar estabelece a relação fundante das essências e das coisas, como o gesto inestético vem arranjar a imbricação com essa escrita, para que ela possa vir a ser capaz de produzir verdades. Há um real no corpo da arte, na fala do poema? Ou há uma realidade? De que maneira a operação expressiva do Poema sujo pode revelar essa transcendência, esse visível que comporta o invisível?
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PDFReferências
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