UMA PROFESSORA MUITO MALUQUINHA E O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA: UM CASO DE INTERDISCURSIVIDADE

Neide Domingues Silva

Resumo


De acordo com a Análise do Discurso, o fenômeno da enunciação está intimamente ligado a questões históricas. Desse modo, a seleção de enunciados, em um contexto interativo, decorre de fatores sociais, espacial e temporalmente instaurados. Acerca da educação escolar brasileira em nível básico, podem-se evidenciar mudanças de paradigmas metodológicos por meio de práticas discursivas dos mais diversos gêneros, entre eles, legais, jornalísticos e literários. Nesse contexto, analisam-se algumas sequências discursivas do livro “Uma professora muito maluquinha”, publicado por Ziraldo em 1995. Essa história se passa numa cidade do interior de Minas Gerais na década de 40. No cotidiano escolar referenciado, bastante tradicional em termos didático-metodológicos, valoriza-se a memorização em detrimento da criatividade, preocupação da professora maluquinha em suas aulas “anarquistas”.  Mencionam-se trechos de “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, publicado em 1932, haja vista sua representatividade em termos de resistência ao estado-de-coisas até então vivenciado na realidade educacional brasileira. Podem-se, por exemplo, contabilizar no manifesto em questão, protagonizado por Anísio Teixeira e outros intelectuais, 75 ocorrências de “espirit-”, morfema que evoca o uso da razão. Essa recorrência tem motivações no ideário iluminista, em transposição para o Brasil, principalmente na defesa do ensino laico, desvinculado da religião, além de deslocar o discente da condição de passivo a ativo no processo de aprendizagem escolar. A fundamentação teórica deste artigo embasa-se, sobretudo, em postulações de Foucault e Pêcheux que corroboram o pressuposto de que nenhuma formação ideológica, seja ortodoxa ou liberal, existe a priori. As ações humanas e também as palavras estão sempre à margem de outras que lhes são anteriores ou posteriores num processo de identificação ou desidentificação do sujeito. Pode-se considerar que o anonimato da protagonista sugere um apagamento do sujeito, ou seja, a posição-sujeito ocupada pela protagonista pode ser ocupada por outras professoras, igualmente “maluquinhas”.


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Referências


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